Legi, intellexi, condemnavi.

Caberia muito bem a frase do Apóstata Juliano II, para apresentar o Ágil para os gerentes da “escola normal”. Após oito anos trabalhando no desenvolvimento de software de missão crítica e num mundo ágil, ninguém me tirava da cabeça que aquela abordagem poderia de fato ir para o mundo corporativo, área para a qual “me mudei” após o Estado iniciar o processo de sucateamento das Armas.

Pergunto-me frequentemente os tantos “li, entendi, rejeitei” que ouvi ao explicar técnicas ágeis. Veio-me à mente meu próprio passado, onde tantas vezes me fiz um Juliano, quando me apresentavam um VSAM, com suas “trees”, DBase e Clipper e seus DBFs,… rejeitava-os por achar que sistemas de tempo real não combinava com Database (storages) e comecei a ter ojeriza dos coitados, e de fato comecei a usá-los em meados de 1994. Quase dez anos trabalhando em software de controle e automação industrial (PLC, Realtime, microkernel, assembler, C) e o Ágil (XP) era um companheiro, e, acredito piamente que ele nunca me traiu.

Normalmente os testes de missão crítica (sistemas de defesa, reatores nucleares e suporte à vida) são minuciosamente programados e visando o preditivo, que seria algo como “quando acontecer”, em oposição ao “se acontecer”. Normalmente um sujeito (observe que não uso a palavra desenvolvedor) treinado em ágil vai engolir sem mastigar qualquer outra técnica, e por que? Simples, o cérebro do agilista não questiona modelos, ele simplesmente age incondicionalmente; nesse momento todo um organismo, braços, olhos, cabeça, fala, se coordena automaticamente na solução; o agilista não pensa no problema. Um bom agilista sem nenhum esforço, atinge, num momento de crise qualquer um, pois sua abordagem deixa perplexos os observadores e “chama pra dentro” os capazes, todos querem de alguma forma dar sua contribuição, todos querem dar um pouco de si, todos estariam dispostos a sacar fora um pedaço de banha (pigs?) e também a quebrar os ovos (chickens?), afinal a atmosfera é funesta, estamos em risco de vida, ou acerta ou morre… e o tempo é pouco, e as penas vão literalmente pelos ares; comprometimento implícito. Assustados? A narrativa acima aconteceu, e tantas vezes me questiono se outra abordagem não Ágil, me deixaria agora escrever esse.

Ok, esqueçamos o drama ilustrativo e diminuamos a escala de perigo e demo-nos somente os últimos quatro anos, assim a gente começa um cenário Ágil mais ameno, moderno. Continuo afirmando que existe espaço para todos e uma futura convergência é inevitável e já acontece (PMI Ágil), e isso é bom. Isso mostra que estamos sempre errados, já que buscamos sempre uma melhora nesses processos.

Agora a célebre frase seria “li, não compreendi, rejeitei” – e fico triste -, “li, compreendi, fiquei com medo”… do modismo, dessa inferência a olhos vistos?

Ao surgir uma ideia nova que simplifica e funciona, que agiliza, e principalmente porque simplifica e agiliza, encontra uma resistência compreensível, pois implica quase que afirmar a obviedade, e o óbvio é uma coisa muito, mas muito complexa de entendimento. Pior, o óbvio implica uma aceitação de uma cultura, de um novo modus operandi, e isso não é pouco. Absorver uma cultura nova implica em mudança de hábitos, aquilo que nos faz, aquilo que nos identifica, isso é o que nos indica a conformidade, uma aliança, uma aceitação. Ao aceitar, passa-se a compreensão, logo em seguida procura-se os preceitos, para em seguida iniciar o processo de incorporação puro e simples. Agora você acredita, é um converso, faz parte de sua crença, com seus acertos e erros, está “doutrinado”. Incorporado então, ele começa um processo de maturação, e logo em seguida iniciar um processo preditivo individual, ora, isso implica em busca, em pesquisa, em treinos, simulações, ele se prepara para o “quando”.

Agilidade é algo inverso a uma zona de conforto,… por que mudar? As pessoas tendem a associar agilidade com adrenalina, com correria, com sandices e outras aberrações. É o inverso, acreditem. Como dito acima, o preditivo no Ágil, aquilo que era esperado, “quando acontecer”, aconteceu, eu estava preparado, esperando, não foi uma fatalidade… já existia algo, uma carta na manga, esperando o acontecimento, estava em hot stand by, não somente em stand by. O agilista observa o ecossistema, procurando algo que “encaixe” na sua cultura e até incorpora técnicas em artes marciais (dojo, kata), o inesperado é absorvido com impacto reduzido, concentrando esforço não no ataque, mas na defesa, o mais certeiro possível, rápido e preciso.

Aprecio essa pluralidade agilista, com suas adjetividades, que esbraveja jovialidade, criatividade e vontade de mudanças, de sair da mesmice, de um sistema ou modelo completamente comprometido com formalidades. Alguns itens devem ser ajustados ou melhor compreendidos, como o foco nos desejos do cliente, em detrimento à engenharia e arquitetura de software,… estamos focando o cliente e deixando esquecido o desenvolvimento de software? Não espero isso para o Scrum, por exemplo. Acho que alguns itens de qualidade deveriam ser incorporados, como um simples 5S, visando a organização pessoal e do próprio framework ágil. Algumas boas ideias estão se mantendo, outras sendo engolidas ou enquadradas por conjunto de conhecimentos em gerenciamento de projetos (PMI), que é algo mais abrangente em gerência de projetos, enquanto que o Ágil (quase) se limita ao desenvolvimento de software, apesar de ter raízes no Lean.

As vezes penso que o mal maior do agilista é o entusiasmo pela “religião” que ele agora é um converso e, qualquer afobação gera desconfiança para seus reais resultados. Também espero que essa exposição demasiada do Scrum não o deixe tão extasiado, levando-o a sucumbir sob o peso da própria agilidade, que é afinal, seu grande mérito. Leia, compreenda, aceite-o, mas deixe alguma água no poço, mostre-o como uma alternativa.

Wooof!